segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Então, o amor preto cura?


Em alguns dos livros e textos que já li sobre amor e relacionamentos, como "O espírito da intimidade" de Sobonfu Somé, "Amor, liberdade e solitude. Uma nova visão sobre relacionamentos" na perspectiva de Osho, "Comer, Rezar, amar de Liz Gilbert, "Vivendo de Amor" por Bell Hooks e "Conversas Corajosas de Elisama Santos, me fizeram enxergar e refletir sobre o que é o amor? E entendi este para além de um sentimento direcionado a um objeto, que geralmente é um par romântico. O amor é também um conjunto de atitudes direcionadas a promoção de um bem estar. Seja para você, para o outro ou ainda para uma comunidade.

Fato é que nos ensinaram que amar é se anular para fazer com que outra pessoa se sinta bem, mas não é assim. Como você pode ofertar a alguém algo que você não tem, não sabe o que é, ou nem sabe se quer?

Para entender o que é amor e praticar em uma relação, precisamos começar por nós, por nosso autoconhecimento. Os relacionamentos são importantíssimos nesse sentido, pois nos auxiliam a conhecer e estabelecer nossos limites, porque como sempre digo: relacionamento é troca. Mas a relação com nós mesmos, aprendemos a saber o que gostamos ou não, o que queremos ou não, o que é importante ou não para nós, como nossas crenças, nossos valores e a partir disso criar ou fortalecer a autoestima para que possamos estabelecer nossos limites e respeitá-los.

Tratando-se do "amor preto", vou pensar ele aqui como um amor próprio. Podemos dizer que quase toda a população negra tem uma enorme dificuldade com a prática do autoamor em decorrência do racismo, conforme Neusa Santos Souza descreve em seu livro Tornar-se Negro. Neusa explica que na construção do Ideal do Ego dos negros em em diáspora, o modelo de referência é o homem branco, já que este é reconhecido como o único sujeito. Isso faz com que "O negro" negue toda e qualquer característica que o distancie deste modelo ideal, construindo assim uma autoestima enfraquecida e resultando em uma enorme dificuldade em se relacionar com esse mundo que constantemente o nega e não o reconhece e principalmente com seus semelhantes.

Historicamente, vemos esse reflexo muito maior sobre os homens negros. Sejam na dificuldade em construir e manter um relacionamento afetivo, na dificuldade em exercer a paternidade, na dificuldade de falar de suas dores, de seus sentimentos, nos altos índices de mortalidade, de alcoolismo. Nas mulheres vemos a dificuldade em conseguir se relacionarem por serem preteridas, em muitos casos serem abandonadas ainda gestantes, entre outras inúmeras formas de extermínio da população negra.

Nesse sentido, torna-se inviável se relacionar por conta de todos esses atravessamentos, tornando a população negra muito mais fechados para um relacionamento amoroso, por medo de serem machucados novamente e sobretudo por não conseguirem se expressarem sobre isso.

Mas eu tenho aprendido que amor preto é amizade, é acolhimento, é agregar, é estender a mão quando o outro precisa e mais do que isso é estar conectado para conseguir perceber quando o outro precisa. Para mim, ele está muito no sentido de ofertar e receber afetos nas várias relações em que estamos inseridos. Não se restringe a uma relação amorosa. É sobretudo um amor que precisa iniciar primeiro de você, para você.

Essa perspectiva foi sendo construída muito a partir da minha aproximação com a ancestralidade. Lembro que a primeira consulta espiritual que tive em uma gira de umbanda, foi com um caboclo. O mesmo me disse que eu precisava praticar o auto amor, me orientou a ter práticas que me fizessem enxergar quem eu era, meu valor, etc. Naquele dia, eu sai da gira pensando que tudo que ele disse eu já sabia, acabei por esquecer por algum tempo. Mas meus ancestrais (por isso a escolha dessa imagem) a quem eu honro e agradeço, me fizeram trilhar caminhos onde eu entendi que por mais que eu soubesse eu não praticava e eu já não podia mais agir assim e continuar a sofrer. 

Muitas leituras, conversas, orações e choros foram necessários para que eu começasse a entender e praticar o tal auto amor. Me liberar de coisas que não pertenciam a mim, para dar espaço para o amor brotar. Porque a fonte é interna. Foi necessário me recolher, me ouvir, me reconhecer, observar, sentir. E hoje eu posso dizer que sim, o amor preto cura. Mas é preciso que esse amor e essa cura comecem por você.

Mas sei que o amor nasceu dentro de mim
Me fez renascer, me fez despertar 
(Arlindo Cruz)

Belezas são coisas acesas por dentro
(Gal Costa)


#aquilombar #amor #amorpreto #amorpróprio #ancestralidade #umbanda #escrevivências

Imagem: https://guiadaalma.com.br/preto-velho-preta-velha/

Nenhum comentário:

Postar um comentário