quarta-feira, 4 de maio de 2022



"A lua se move lentamente, mas atravessa a cidade." Provérbio africano.

Minha avó sempre nos ensinou através dos seus provérbios. Se nós, seus netos, nos reunirmos hoje a única certeza que tenho é a de que vamos relembrar vários dos provérbios que ela usou para nos educar. E todo nosso caráter é pautado sob isso. Uma mulher negra, não letrada que sustentou três gerações, seja financeiramente, seja emocionalmente. Minha avó, era o centro. Era a nossa base. Não por acaso quando somos subestimados em alguma situação, dizemos: eu sou neto ou neta de dona Maria.


Todas as pessoas que a conheceram quando lembram, trazem sempre uma história de amor, carinho e cuidado. Eu cresci vendo minha avó ajudar pessoas que não tinham o que comer, ajudando casais que viviam brigando e iam se aconselhar com ela, ouvindo-a dizer: "se eu tiver um punhado de farinha e tiver alguém precisando eu divido", "fazer o bem sem olhar a quem", "se você achar alguma coisa mesmo que seja no quintal, devolve porque tem dono", "leva sombrinha e casaco porque vai chover", mesmo estando um sol de quarenta graus no Rio de Janeiro. E geralmente chovia. Esses e muitos outros ensinamentos como fazer comida, cuidar da casa, lavar suas louças, pentear o cabelo, curar qualquer doença com plantas, ter fé… Minha avó era uma imensidão dentro de um corpo.


Lembrar de tudo isso é pensar em ancestralidade. É ver na prática a importância da oralidade para os povos de matriz africana. É pensar o papel da figura feminina em uma sociedade não patriarcal. A história de minha avó é única ao mesmo tempo que não se  difere da história de milhares de mulheres negras que habitaram e habitam esse país.


As vezes eu paro para refletir em determinados comportamentos que tenho e penso: É, como eu uma mulher negra, que cresci com os exemplos de mulheres que sempre foram fortes, destemidas, determinadas, independentes, que não mediram esforços para sustentar seus filhos e alcançarem seus sonhos poderia ser diferente? "O fruto nunca cai longe da árvore". 


Deixo claro aqui que eu não excluo os poucos exemplos masculinos que tive. Mas essa é mais uma constatação de como são formadas as famílias negras neste país.


Dedico esse texto às mulheres da minha vida porque eu sei que "eu sou uma, mas não ando só".


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